EVANGELISTA,
O.; SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C. M.. Os arautos da reforma e a consolidação do
consenso: anos de 1990. In: Política
Educacional. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 53-86.
Intervenções educacionais
para favorecer as elites
O
capítulo dois, intitulado “Os arautos da reforma e a consolidação do consenso:
anos de 1990”,
do livro “Política Educacional”, faz alusão às reformas políticas propostas
durante os anos de 1990, com a finalidade de alavancar a economia. O livro foi
escrito por Olinda Evangelista, doutora em Educação: História, Política,
Sociedade, pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo (1997). A mesma é
autora de muitos livros, como “Escola viva”, “Questões de teoria e método em
pesquisa educacional” e “Formação de professores: perspectivas educacionais e
curriculares”.
Os
governantes dos anos de 1990 estruturaram uma contrarevolução nas esferas
social, política e ideológica, para recuperar-se da crise dos anos de 1980. A situação nacional
poderia ser comparada ao governo Thatcher, na Inglaterra, que denegriu os
valores que prevaleciam no país, relacionados às políticas que favoreciam a
população. Aconteceram transformações que produziram prejuízos imensos na
sociedade britânica, onde o nível de vida é incomparavelmente mais sólido e
elevado que no Brasil.
A
hegemonia conservadora era evidenciada pela atmosfera política, científica e
cultural, em que desqualificava “velhos” ideais e valores, vistos como utopias,
não levando em conta a realidade da vida econômica marcada pela concorrência,
forças de mercado e desemprego estrutural. Assim, forma-se um consenso segundo
o qual é inútil opor-se às mudanças, pois geraria profundas transformações no
sentido da população, que rendeu-se a realidade da dura economia.
Este
movimento de retração ideológica teve sucesso, ganhando expressão nos jornais
sensacionalistas e em instituições sociopolíticas e culturais. Neste contexto,
para eliminar eventuais resistências, o poder hegemônico conservadorista
utilizou a visão de que o acomodamento político e eleitoral diante às regras do
jogo vigente trás virtude e sabedoria.
Fernando
Collor implantou o modelo Thatcher no Brasil, não inserindo o país na economia
mundial, tendo amargos resultados. Existia uma sintonia entre a exaltação às
forças de mercado e suas ressonâncias nas práticas educativas. De fato, com
Collor houve um atraso no ajuste da economia brasileira às exigências da
economia global.
Deste
modo, em muitos setores os produtos nacionais não conseguiram concorrer com os
estrangeiros dentro do país. Na busca por vantagens competitivas, alegava-se
que ara necessário requisitos distintos de educação geral e qualificação
profissional dos trabalhadores. Iniciou-se uma polêmica sobre o processo de
utilização dos avanços da tecnologia em todas as esferas, disseminando-se a
ideia de que seria necessário dominar os códigos da modernidade.
Atribuiu-se
à educação o pilar de sustentação da competitividade nos anos de 1990.
Documentações com soluções para os países da América Latina e Caribe, com
relação à economia e à educação, influenciaram na definição de políticas
públicas para a educação no Brasil.
Este
ideário teve início no governo de Itamar Franco com a elaboração do Plano
Decenal, mas se concretizou no governo FHC. Numerosas publicações de organismos
multilaterais de empresários e intelectuais tornaram estes arautos das reformas
que se efetivariam no país.
A
conferência mundial de educação para todos aconteceu em 1990, onde foi assinada
uma declaração por 155 governadores assegurando educação básica de qualidade
para crianças, jovens e adultos.
Havia
milhões de crianças fora da escola e adultos analfabetos no mundo. Quando o
projeto foi assinado, tinha como meta usar a educação para realizar as
necessidades básicas de aprendizagem.
A
educação básica passou a englobar, além da educação escolar, a educação
familiar, da comunidade e dos meios de comunicação. Foi estabelecido que de
acordo com as diferentes necessidades dos alunos, deveriam ser usados
diferentes conteúdos, meios e modalidades de ensino e aprendizagem. A educação
foi usada para negociações entre diferentes forças políticas e econômicas como
forma de promovê-la.
O
documento econômico da CEPAL, em 1990, alterou a implementação das mudanças
educacionais demandadas pela reestruturação produtiva em curso, onde os países
deveriam oferecer os conhecimentos e habilidades específicas requeridas pelo
sistema produtivo.
A
reforma do sistema produtivo e a difusão de conhecimentos eram vistos como
instrumentos cruciais para enfrentar o desafio da construção de uma moderna
cidadania e da competitividade. A população deveria aprender os códigos da
modernidade, que era o conjunto de conhecimentos e destrezas necessários para
participar da vida pública e desenvolver-se produtivamente na sociedade moderna.
O
desempenho dos currículos e a eficácia das metodologias aplicadas no processo
pedagógico eram avaliados através do domínio dos códigos culturais básicos da
modernidade e do desenvolvimento das capacidades humanas para resolver
problemas, tomar decisões e seguir aprendendo.
O
relatório Delors fez um diagnóstico sobre o atual contexto planetário de
interdependência e globalização, no qual reconhece que o ideal de progresso
trouxe apenas desilusões à grande parte da população mundial, visto que o desemprego
e a exclusão social ocorrem em países ricos, agravando as desigualdades
sociais.
O
documento propôs que a tensão entre a vertigem provocada pela mundialização e a
necessidade de referências e raízes deveriam ser resolvidas. Neste contexto, a
educação teve seus objetivos ampliados e seu potencial superdimensionado. A
educação incumbiu-se do desenvolvimento humano sustentável, da compreensão
mútua entre os povos, da vivência completa da democracia.
Um
novo conceito de educação foi proposto, educação ao longo de toda vida, que
explorasse o potencial educativo dos meios de comunicação, da profissão, da
cultura e do lazer; construindo uma “sociedade educativa”. Isto seria alcançado
a partir do aprender a conhecer, a fazer, a ser e a viver junto.
A educação
básica deveria assegurar a base sólida para a aprendizagem futura, já que seria
necessário adquirir, atualizar e utilizar os conhecimentos para sobreviver na
sociedade da informação ou sociedade cognitiva.
O
Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe (PROMEDLAC)
conferiu papel central à educação nas novas estratégias de desenvolvimento
sustentável, para o crescimento econômico e para a justiça e equidade social.
O
Banco Mundial que se constitui como um auxiliar da política externa americana,
tendo em vista a existência de um bilhão de pobres no mundo, buscou na educação
um sustento para sua política de contenção da pobreza, um “ajuste com
caridade”. Havia foco na educação básica, porque através da mesma a pobreza
seria reduzida e a produtividade do trabalho dos pobres seria aumentada.
A
Carta Educação estabeleceu que devesse haver uma mudança política educacional
no Brasil. Buscava-se a adequação dos objetivos educacionais às novas
exigências do mercado internacional e interno, e a consolidação do processo de
formação do cidadão produtivo.
Durhan,
secretária de política educacional do MEC, afirma que as licenciaturas no país
estavam falidas, deixando uma enorme lacuna na formação para o magistério. Eram
poucas as universidades brasileiras interessadas pela formação de professores,
e as que se interessavam, não realizavam a devida integração do conhecimento
com o trabalho ensino-aprendizagem.
A
Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação sempre defendeu
uma formação, sobretudo universitária para os docentes, assegurando a tríplice
missão característica desse nível: ensino, pesquisa e extensão. Fica claro
então, que a educação continua sendo assunto de Estado, e nenhuma reforma da
educação teve êxito contra ou sem professores.
A
escola não está em uma ilha isolada da sociedade, portanto sofre influências da
mesma. Quando se trata da sociedade sob regime capitalista, estas influências
tem como interesse favorecer o crescimento econômico através do crescimento do
setor produtivo.
O
interesse do regime capitalista em investir na educação provém da necessidade
de suprir a demanda de mão de obra apta a exercer funções na indústria. Assim,
a educação sempre foi o campo da disputa hegemônica. Segundo Frigotto (2003, p.
25), “Esta disputa dá-se na perspectiva de articular as concepções, a
organização dos processos e dos conteúdos educativos na escola e, mais
amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe”.
Ao
utilizar-se da educação para diminuir os índices de miséria e analfabetismo, o
que a sociedade capitalista pretende é garantir consumidores de seus produtos e
serviços, além de trabalhadores que atendam suas expectativas. Fica claro
então, a necessidade de movimentação da economia através da exploração do
trabalhador e da geração de lucro.
Desta
forma, Kuenzer (2002, p. 37) argumenta que “no capitalismo, o trabalhador
assalariado é a fonte geradora de mais-valia, e nesse sentido, de reprodução
das suas próprias condições de exploração, na medida em que, reproduzindo o
capital em escala ampliada, reproduz também o operário”.
Quando
elabora-se várias medidas para tornar a educação básica sólida e universal, o
que se objetiva é a formação de mão de obra “qualificada”. Assim, o trabalhador
é desqualificado intelectualmente, há uma exploração do trabalho humano e sua
alienação. Desta forma, segundo Frigotto (2003, p. 26)
Na perspectiva das classes dominantes, historicamente, a educação dos
diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habitá-los
técnica, social e ideologicamente para o trabalho. Trata-se de subordinar a
função social da educação de forma controlada para responder às demandas do
capital.
Em nenhum
momento se busca o desenvolvimento pessoal e intelectual do indivíduo sem algum
interesse lucrativo para a sociedade. A educação sempre foi utilizada para
alavancar a economia, tendo em vista a formação de pessoas que suprissem as
necessidades da indústria. Não houve preocupação ao longo da história, com o
fim da desigualdade social e da miséria, sem objetivações favoráveis às classes
mais elevadas.
Assim,
segundo Frigotto (2003, p.35),
De forma cada vez mais dissimulada, todavia, o desenvolvimento dos
sistemas de ensino solidificaram uma estrutura dualista e segmentada que perdura
até o presente, ainda que de forma diferenciada, em contextos específicos nas
diferentes formações sociais capitalistas.
Sob a
exploração do trabalhador é colocada uma mascara, caracterizando a fábrica como
uma grande família feliz. São criadas estratégias para tornar o trabalhador
cada vez mais alienado, e segundo Kuenzer (2002, p. 167), “Nesse sentido, elas
nada mais são do que formas de manipulação, que tem por objetivo a criação de
condições mais favoráveis à explosão, pelo ocultamento das contradições, cuja
eclosão é sempre desestabilizadora”.
Pode-se
então concluir que é impossível compreender o sistema de ensino de forma
isolada, sem analisar o meio em que está inserido, atualmente a sociedade
capitalista. Neste contexto, as reformas educacionais tem cunho essencialmente
social, que privilegia a burguesia, atenuando a desigualdade social.
Referências
bibliográficas:
<http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4790682H7>
Acessado em 03 de Abril de 2013
EVANGELISTA,
O.; SHIROMA, E. O.; MORAES, M. C. M.. Os arautos da reforma e a consolidação do
consenso: anos de 1990. In: Política
Educacional. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 53-86.
KUENZER,
Acácia Zeneida. Pedagogia da Fábrica.
6. Ed. São Paulo: Cortez, 2002.
FRIGOTTO,
Gaudêncio. A educação como campo social de disputa hegemônica. In: Educação do capitalismo real. 5. Ed.
São Paulo: Cortez, 2003. p. 25-40.
Autora: Lis Peixoto Rocha.
Espero que gostem. Aguardo comentários!!!!